Depois de 12 anos de espera, o Brasil terá uma estratégia para lixões. Foi publicado em 14/04/2022 no “Diário Oficial da União” um decreto com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares). O texto estabelece que, até 2040, metade de todo o lixo produzido deverá ser reaproveitado de alguma forma.
O Brasil soma mais de 214 milhões de habitantes. O consumo nacional gera, por ano, cerca de 82,5 milhões de toneladas de lixo. E muito pouco ainda é reciclado, recuperado. Logo, gera 217 mil toneladas de resíduo sólido urbano ao dia, ou seja, 79 milhões de toneladas por ano.
A taxa de descartes secos que, no lugar de irem parar no solo, são recuperados para reciclagem é de pouco mais de 2% da massa total. Para orgânicos, que são quase metade do lixo, é de 0,2%. A decomposição do lixo orgânico é fonte de emissão do metano, gás de efeito estufa.
Tentativas de encerrar lixões são antigas e outras metas foram descumpridas. Leis dos anos 1980 e 1990 já falavam da obrigação de descarte ambientalmente correto com previsão de sanções penais e administrativas.
A lei que criou os caminhos para melhorar a gestão dos resíduos sólidos é de 2010, mas precisava ser regulamentada. Depois de 12 anos de espera, foi aprovado e publicado o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que traz:
- O “raio-X” da situação;
- Como resolver;
- Metas para que as soluções sejam apresentadas e cumpridas.
O plano mantém a determinação para acabar com um dos maiores problemas na gestão dos resíduos no Brasil: os lixões. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, quase 40% dos resíduos no Brasil continuam sendo destinados aos lixões a céu aberto. Mais de 30 milhões de toneladas de lixo por ano ficam nessas condições, nos mais de 3 mil lixões ainda ativos.
A meta é que, até 2024, não tenha mais nenhum lixão no país. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Pedro Côrtes avalia que a meta de extinguir lixões em 2024 não é “alcançável” para pequenos municípios que carecem de recursos e estrutura. “Em 2010, se previa formar consórcios entre pequenos municípios para a construção de aterros sanitários, prevendo uma gestão conjunta de resíduos urbanos. Esse tema pouco evoluiu em 12 anos”, destaca.
A publicação “Panorama dos Resíduos Sólidos” mostra que, no Brasil, o lixo orgânico chega a 45% do total. São mais de 37 milhões de toneladas por ano. Materiais recicláveis secos (plásticos, papel, papelão, vidros e metais) são 35%, e rejeitos representam 14%. A reciclagem é o ponto prioritário do plano.
Capacidade de geração de energia
A meta global para o país é que, em 2040, 48% de todos os resíduos sejam reciclados ou passem por tratamentos que permitam que sejam usados até como recursos energéticos, gerando energia térmica ou gás. Para bater a meta de quase metade dos resíduos reaproveitados, o Planares prevê recuperar 20% de recicláveis secos e 13,5% da fração orgânica.
Para o último, a ideia é que todos o municípios tenham iniciativa de valorização do resíduo, “como coleta seletiva de orgânicos, compostagem e digestão anaeróbia (processo de degradação da matéria por microrganismos, que produz biogás e digestato, com características fertilizantes) em escala piloto ou comercial”.
Será preciso ainda aumentar o aproveitamento energético por meio do biogás e do tratamento térmico. A ideia é de que, em 20 anos, mais de 60% do biogás de aterros sanitários e de digestão anaeróbia vire eletricidade. Quase 15% dos resíduos devem ser destinados a locais com tecnologia térmica para virar energia.
O presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos, Yuri Schmitike, diz que os projetos de uso do lixo para gerar energia térmica podem atender a pelo menos 5% do consumo energético das cidades.
“E também nós podemos gerar 994 ‘megas’ de potência instalada pelas usinas de tratamento térmico, ou seja, suficiente para abastecer 27 milhões de domicílios com eletricidade limpa e renovável e nos centros das cidades e é considerada a termelétrica mais limpa hoje existente”, afirmou.
Catadores
A primeira meta é que, em 2024, o país recicle 13,8% de todo o lixo que gera. O documento reforça a importância dos catadores e estabelece que as prefeituras terão que remunerar esses trabalhadores e as cooperativas, como prestadores de serviço.
O documento reconhece o papel de associações de catadores e dos autônomos. Mas destaca que só 3,7% das prefeituras têm contrato formalizado com esses trabalhadores. Para reduzir a insegurança e a vulnerabilidade da categoria, é proposta 95% de formalização de contratos com cooperativas e associações de catadores nos municípios onde atuam até 2040.
Eletrônicos, pilhas e baterias
Outro destaque é a chamada logística reversa, que vale para o lixo de eletrônicos, pilhas e baterias. É obrigação das empresas darem condições para os consumidores descartarem esses materiais de forma segura. Em 2024, 30% desses resíduos já deverão estar sendo recolhidos pelas empresas que colocam os produtos no mercado. Em 2040, deverá chegar a 50%.
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Quem pagará pelas mudanças?
Outro foco é a sustentabilidade financeira. A diretriz é que toda cidade tenha alguma forma de cobrança pelo serviço. A ideia é assegurar também que 72,6% da população tenha acesso à coleta seletiva até 2040. Hoje, essa taxa é de 31,5% em municípios com menos de 30 mil habitantes.
Um ponto considerado muito importante é que o plano diz quem vai custear as mudanças necessárias: o contribuinte. Como sempre!
O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), Carlos Silva Filho, diz que as prefeituras poderão adequar as taxas de limpeza pública ou criar uma tarifa específica para a gestão dos resíduos. E que é assim em outros países. Filho lembra que, se as metas forem cumpridas, o país vai melhorar a qualidade de vida no geral, reduzindo as doenças provocadas pela falta da gestão dos resíduos nas cidades.
“As metas, elas estão bastante consistentes, elas são metas ambiciosas, como todo plano deve ser, mas elas têm plenas condições de serem cumpridas e atendidas através desse conjunto de medidas estruturantes que o plano também traz. […] Nós não podemos mais conviver com um sistema de gestão de resíduos sólidos que afeta a saúde de 77 milhões de brasileiros e tem um custo para o SUS de US$ 1 bilhão por ano”, afirmou.
Fontes: G1, Ecodebate.