Lisboa foi o ponto de encontro para Anna e Yasmin, duas empreendedoras que já transformaram mais de mil guarda-chuvas danificados em jaquetas, chapéus e bermudas. Criaram a marca de moda circular R-Coat. Em 2017, Anna Masiello mudou-se para Lisboa. O pretexto? O mestrado em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade no ISCTE, um dos muitos planos feitos pela jovem italiana para oferecer alternativas ecológicas à atual sociedade de consumo.
Não foi por acaso que, no mesmo ano, criou o Instagram “Hero to 0”, dando os primeiros passos como influenciadora digital em matéria de sustentabilidade. Mas em breve, um novo projeto iria nascer. “Comecei a perceber muito depressa que há muito vento em Lisboa e que os guarda-chuvas são de muito fraca qualidade. Então, passei a apanhar todos os que ia encontrando na rua, danificados. Levava-os para casa, mas sem ideia nenhuma do que ia fazer com eles”, conta Anna, hoje com 27 anos, ao site Observador.
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O quarto onde morava tornou-se numa espécie da armazém e depressa ficou demasiado pequeno para tantos guarda-chuvas. “Tinha de chegar a uma solução e como não encontrei ninguém que fizesse roupa a partir destes materiais achei que talvez pudesse ser um bom desafio começar por aí”, continua. Assim Anna comprou uma máquina de costura e devorou tutoriais de costura no YouTube.
De aspecto tosco e sem acabamentos profissionais, o primeiro casaco impermeável, feito a partir de três guarda-chuvas apanhados na rua, ficou pronto no final de 2018. Anna partilhou o resultados nas redes sociais e a reação foi surpreendente. “As pessoas adoraram e quiseram doar guarda-chuvas”. Os materiais utilizados pela R-Coat são:
Exterior: tecido de guarda-chuvas danificados
Forro: tecido de estoque morto
Botões: metal 30% reciclado
Rolhas: metal 30% reciclado
Etiqueta do logotipo: poliéster reciclado
Etiqueta de composição: impressa diretamente no forro
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Nascia a marca R-Coat, nome inspirado no lema dos três erres da ecologia: reduzir, reutilizar e reciclar. Segundo a marca:
“Resíduos são um problema de design. Estamos empenhados em usar o design como uma ferramenta sustentável para criar um futuro melhor.”
Mas a ideia precisava de reforços para crescer — primeiro, uma costureira para melhorar a confeção das peças, mais tarde a parceira de negócio ideal, Yasmin Medeiros. “Conhecemo-nos no verão de 2019, num evento de moda sustentável. Quando a ouvi falar sobre marketing e comunicação, percebi que podia trazer para o projeto os conhecimentos que eu não tinha. Ela adorou a R-Coat, começámos logo a trabalhar juntas”.
Em 2020, já com o estatuto de startup, conseguiram contar com a alavanca financeira de um programa de aceleração do IAPMEI. “Isso possibilitou-nos tornar o casaco mais robusto, com forro feito a partir de sobras industriais, e com um desenho mais funcional”, assinala Anna. Hoje, além dos casacos que combinam várias cores e até padrões (com preços entre os 160 e os 185 euros), a marca conta com chapéus e com uma nova coleção de calções de banho reversíveis, tudo feito com a mesma matéria-prima.
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Estes últimos, são resultado de uma parceria com a marca portuguesa WeTheKnot, que há dez anos comercializou os primeiros exemplares, também feitos a partir de guarda-chuvas partidos. Anna e Yasmin procuram agora novos financiamentos. A loja online foi lançada a 31 de maio e são já 32 os pontos de recolha de guarda-chuvas espalhados pelo país, de Braga ao Algarve. Até agora, a R-Coat já reaproveitou mais de mil.
“Aconteceu tudo através do Instagram. Atualmente, qualquer pessoa pode ir a um destes locais e deixar os chapéus que quiser, eu depois faço a recolha. Entretanto, também temos tentados reduzir a pegada do transporte. Os nossos umbrella heroes, como lhes chamamos, ajudam nessa parte. Por vezes, basta pôr uma story e aparece logo alguém que já ia fazer a viagem. Por isso é que dizemos que é uma marca de base comunitária”.
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“O mercado português fica um bocado surpreendido com o preço final dos produtos”, refere ainda Anna. A dupla criou, por isso, uma estrutura de custos transparente, que pode ser consultada no site, e demarca-se da fast fashion. “Nós pagamos 100 euros pela produção de um único casaco”, explica. O restante destina-se a financiar a vertente educacional do projeto, palestras sobre desperdício zero, economia circular e eco design.
Quanto à possibilidade de internacionalizar o projeto, há planos. Embora já tenham chegado guarda-chuvas da Costa Oeste dos Estados Unidos, a expansão passará provavelmente pelo franchising, já que continuar a centralizar tudo em Portugal aumentaria exponencialmente a pegada ambiental da R-Coat.
Os pequenos passos já estão a ser dados — enquanto preparam uma coleção de inverno, com forros mais quentes, e os primeiros protótipos de malas, planejam ainda a abertura do primeiro ponto de recolha de guarda-chuvas fora de Portugal. Vai ser Trieste, uma localização estratégica para o negócio em questão — é “a cidade mais ventosa de Itália”, garantia de quem cresceu lá.
Fonte: Observador