O trabalho de Julia Krantz se baseia nos princípios da ergonomia somados à arte e à utilidade. Um mix que ela própria define como algo que “vai além da peça escultórica”. O resultado são móveis produzidos com madeiras certificadas que oferecem textura agradável e encaixe confortável ao corpo humano, como a mesa Djü – árvore, em japonês – e a poltrona Suave, ambas da linha Orgânica, de sumaúma.

No showroom da designer, em São Paulo, estão expostas peças que marcam diferentes fases de sua produção, como a cadeira Tripé, já fora de fabricação, e o banco Bigorna. A primeira foi seu trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Arquitetura (FAU) da USP, em 1997. “O desafio era criar uma cadeira para restaurante. Daí surgiu a Tripé, minha primeira peça”, conta.

O protótipo lhe rendeu o prêmio de menção honrosa em um concurso para estudantes e marcou o início de sua carreira como designer. O Bigorna é parte do mobiliário do Sesc Pinheiros, que selecionou a profissional para desenvolver desde os bancos das áreas de circulação da unidade até os balcões de atendimento ao público.

Quando optou pela Arquitetura, Julia planejava desenvolver projetos completos, da construção da casa ao desenho dos móveis. Mas logo percebeu que sua vocação era produzir mobiliário de madeira. Na verdade, essa aptidão vem de longa data.

“Quando era menina, trocava a decoração do meu quarto a cada dois anos. Já naquela época, eu mesma desenhava meus móveis. Cheguei a ter uma cama que parecia uma piscina, inspirada em uma cena que vi no filme Help, dos Beatles”. Por causa de suas criações pouco comuns, a designer fez amizade com os marceneiros que executavam as peças.

A madeira se tornou uma paixão, o ingrediente certo para entalhar sua carreira: naquele começo, fez um curso na escola Cose di Legno, em São Paulo, onde aprendeu a trabalhar a madeira laminada. “Quando contei ao professor que queria fazer uma chaise longue nessa técnica, ele ficou surpreso. Era um trabalho insano. As pessoas me achavam louca, mas fiz.”

Feito à Mão

Na garagem de casa, Julia trabalhou durante seis meses na peça com uma serra tico-tico e duas lixadeiras de mão. “É enlouquecedor. Trabalhava, estudava e não tinha as ferramentas ideais, mas com vontade consegui”. O móvel era o primeiro na madeira maciça laminada, material que daria nome a ela.

Móveis funcionais, confortáveis, verdadeiras esculturas estavam em suas mãos. Com os anos, já estava no mercado. “Um dia, o dono de uma galeria de Nova York comprou minhas peças e disse que eu precisava conhecer um profissional dos anos 1950, o finlandês Tapio Wirkala, que fazia trabalhos como os meus, usando laminado de madeira. Achei bacana que não tinha aquela referência, simplesmente tínhamos pensado parecido”, lembra.

Aprendiz de marceneiro

Em 2000, Julia abriu sua marcenaria e foi atrás de maquinário. Seis anos depois, conheceu o marceneiro japonês radicado no Brasil Morito Ebini. “Ele me mostrou um mundo de conceitos, um olhar sobre a madeira que abriu minha visão”, conta ela, que se tornou sua aprendiz. Foram 10 anos observando o mestre esculpir o material toda segunda-feira, em Santo Antônio do Pinhal, interior de São Paulo.

Aquela parceria se estendeu ao design: a dupla assina a cadeira Weg. Depois, o designer Fernando Mendes se uniu a eles. “Evoluí muito e insistimos para que Morito desse aulas a mais gente. Hoje ele tem uma escola estruturada”, conta, agradecida ao marceneiro premiado mundialmente.

“Tenho verdadeiro encanto pela variedade de espécies, texturas, cheiros, possibilidades, temperatura e o conforto que a madeira proporciona”

Julia se situa entre artesã, designer e escultora, além de empresária dedicada, e ainda uma marceneira paciente por ver o melhor resultado. Afinal, os entalhes na madeira exigem tempo e um esforço que pouca gente imagina. “Tudo demora muito na marcenaria. Primeiro idealizo a peça, depois faço o modelo, passo à madeira e começo a esculpir. Faço testes e todo o processo pode levar de três a seis meses, ou anos”, diz.

A poltrona Suave, um sucesso de vendas, é a que chega mais rápido ao fim: entre duas e três semanas fica pronta. O laminado de madeira maciça também não é facilmente encontrado, visto que a demanda por ele é pequena. Tudo isso leva o trabalho de Júlia a funcionar entre os eixos da arte, do design, do trabalho manual, tudo sob efeito precioso do tempo.

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Renato Cunha
O blog Stylo Urbano foi criado pelo estilista Renato Cunha para apresentar aos leitores o que existe de mais interessante no mundo da moda, artes, design, sustentabilidade, inovação, tecnologia, arquitetura, decoração e comportamento.

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