A indústria da moda deixa uma pegada ambiental significativa em cada etapa do ciclo de vida do vestuário. Como os consumidores estão cada vez mais conscientes desta realidade, eles também estão mais exigentes e buscam produtos fabricados a partir de recursos sustentáveis, com impacto ambiental mínimo. A sustentabilidade se tornou a vanguarda da moda e a economia circular e a bioeconomia fazem parte desse processo.
Por isso várias empresas de moda estão incorporando estratégias de sustentabilidade em seus modelos de negócios e estratégias de crescimento, além de reavaliar suas cadeias de abastecimento para identificar e buscar oportunidades para reduzir o uso de petróleo, as emissões de carbono, uso de água e resíduos em toda a cadeia de valor.
Com isso a sustentabilidade está no topo da lista de prioridades na indústria de vestuário, criando ferramentas de avaliação para ajudar a promover uma melhoria do desempenho ambiental e social. Como disse certa vez William Edwards Deming, pai da evolução na qualidade:
“Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende e não há sucesso no que não se gerencia”
Todos os ramos da indústria, como a moda, poderão se beneficiar imensamente da economia circular adotando novas tecnologias de gestão de resíduos e eficiência dos recursos, criando produtos mais sustentáveis e gerando novos empregos. A bioeconomia, que reúne todos os setores da economia que utilizam recursos biológicos (seres vivos), dará impulso a economia circular, promovendo o capitalismo sustentável através de empresas inovadoras e reunindo pessoas de diferentes áreas da economia para compartilhar experiências e explorar novas soluções que podem ser aplicadas em toda indústria.
A bioeconomia é um dos principais pilares da sustentabilidade pois maximiza a utilização de produtos biológicos, resíduos e outros produtos resultantes da transformação de recursos biológicos, com o objetivo de minimizar o desperdício da cadeia produtiva e reduzir a pressão sobre o meio ambiente. Felizmente foram desenvolvidos novos materiais renováveis de base biológica utilizando milho, cana-de-açúcar, beterraba e trigo para substituir o poluente petróleo na fabricação de nylon, poliéster e elastano. Além disso, resíduos de plantas e frutas podem também ser transformados em tecidos como pode ver aqui e aqui.
A moda circular é uma das ramificações da economia circular que tem como principal característica, reciclar todos os resíduos têxteis e roupas velhas para se criar novos tecidos, o que agora pode ser 100% eficiente com a tecnologia de líquido iônico que também cria novos tecidos feitos da celulose de madeira. Garrafas PET e roupas de poliéster também podem ser reciclados de forma rápida e barata através de separação magnética inteligente. E a fibra de sisal embebida com nanotecnologia pode ajudar a limpar 99% dos resíduos químicos que sobram do tingimento têxtil. A economia circular está sendo vista como o futuro do fast fashion.
O Brasil é riquíssimo em recursos biológicos que são de grande importância para a economia, comércio e indústria, e o país poderia facilmente ser um dos líderes mundiais em economia circular e bioeconomia.
Quinze princípios para a indústria da moda circular
Para se criar uma indústria da moda circular precisamos definir seus princípios a fim de apoiar e promover uma moda mais sustentável. Esses princípios são:
Princípio 1 : Projetar com um propósito
Princípio 2 : Projetar para longevidade
Princípio 3 : Projetar para biodegradabilidade
Princípio 4 : Projetar para reciclagem
Princípio 5 : Produzir localmente
Princípio 6 : Produzir sem toxicidade
Princípio 7 : Produzir com eficiência
Princípio 8 : Produzir com energias renováveis
Princípio 9 : Produzir com boa ética
Princípio 10 : Fornecer serviços de reparação
Princípio 11 : Reutilizar, reciclar ou compostar todos os resíduos
Princípio 12 : Incentivar uma ampla colaboração
O doze princípios acima se baseiam na perspectiva do produtor. Um deles é relevante também na perspectiva do consumidor, que é o princípio 11. No entanto, a partir da perspectiva do consumidor, três princípios adicionais devem ser adicionados:
Princípio 13: Usar, lavar e consertar com cuidado
Princípio 14: Considere alugar, emprestar, trocar peças de segunda mão ou customizar a peça em vez de comprar uma nova
Princípio 15: Compre qualidade ao invés de quantidade
A indústria da moda tem uma característica única que a distingue das demais, a de que nenhum produto é tão íntimo das pessoas do que suas roupas, pois em quase 100% do tempo estamos em contato com elas. Mas a nossa atual taxa de consumo não é sustentável. Como a moda vai parecer em 10, 20 ou 50 anos?
Provavelmente, a chave para um futuro mais sustentável está na criação de tecidos e materiais feitos a partir de recursos naturais renováveis e recicláveis, fabricados com as tecnológicos mais sofisticadas. A tecnologia será integrada em nossas roupas para termos uma relação muito mais próxima com nosso corpo.
Uma dessas abordagens envolve a biomimética, que observa a natureza e procura reproduzir em sistemas sintéticos as características encontrados nos sistemas biológicos para encontrar soluções sustentáveis aos nossos problemas modernos. A ideia é a de que o mundo natural que nos rodeia é o melhor exemplo de sustentabilidade, onde poderemos fabricar tecidos e materiais funcionais que simulem as melhores características das plantas e animais, e assim criar as roupas do futuro com auto-reparação, super-hidrofóbico, auto-limpeza, isolamento térmico, mudança de cor, regulação de temperatura etc.
Alguns exemplos de tecidos que tenham sido produzidos através da biomimética incluem fibras que imitam o processo de coloração encontrada em asas de borboleta e cascas de besouros, que mudam de cor quando vistas em ângulos diferentes sem o uso de corantes. Outros exemplos é o de imitar os atributos de “auto-limpeza” das folhas de lótus para desenvolver um tecido praticamente hidrofóbico, roupas de banho que imitam pele de tubarão para melhorar a velocidade e reduzir o atrito na água e casacos impermeáveis inspirados na forma como as árvores transpiram.
O polvo é um animal incrível pela sua capacidade de camuflagem. Este vídeo demonstra como o polvo pode mudar a sua forma, cor e textura da pele para camuflar-se no meio ambiente e proteger-se dos predadores. O desenvolvimento de uma roupa que pudesse imitar essas características, iria acabar com o problema do tingimento das roupas e reduzir nosso consumo e desperdício pois a peça poderia se adaptar aos nossos gostos em constante mudança. Cientistas da Universidade de Connecticut nos EUA já estão fazendo isso, veja aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=8EN_dK4wL0g
O Amoeba Shoe já está fazendo algo semelhante, na medida em que se adapta ao pé do indivíduo em tempo real. O sapato é construído de protocélulas que se comportam como um tecido celular vivo. É impresso utilizando a biotecnologia 3D para criar uma segunda pele em torno do pé, e responde a atividade do atleta criando maior resistência nas áreas de alto impacto.
A bioconomia inspira empresas como a americana Modern Meadow a pesquisar tecnologias para fabricar couros de animais em escala industrial feitos inteiramente em laboratório utilizando somente suas células sem precisar matar o animal. Já o couro ecológico biodegradável feito com fibras de celulose retirados de chá de kombucha foi desenvolvido pela professora Young-A Lee da Iowa State University como uma alternativa sustentável ao couro animal.
A biotecnologia criará uma nova profissão na indústria da moda chamado “designer biológico”, como a designer Amy Congdon e a criadora da BioCouture e pioneira no conceito de roupas de celulose microbiana, Suzanne Lee. A biotecnologia poderá criar novos materiais, expandir as nossas capacidades e desafiar a maneira como pensamos sobre quem fabrica nossas roupas. A economia circular e a bioeconomia com ajuda da alta tecnologia são a base da indústria da moda sustentável. O futuro promete coisas incríveis!